03 outubro 2006

Sindicato de magistrados compara directores de jornais a "cães de guarda"

Num tom acutilante e agressivo, pouco usual na magistratura, a direcção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) redigiu ontem um editorial a lançar duras acusações aos directores dos jornais diários, nomeadamente do Diário de Notícias e do Público, que vão desde a falta de independência intelectual à tentativa de condicionar a Justiça e o poder político. E chega mesmo a comparar aqueles directores a "cães de guarda", embora recorrendo à citação de outros autores.
Em causa estão editoriais escritos por José Manuel Fernandes, director do Público, e por António José Teixeira, director do Diário de Notícias, em que criticam Noronha do Nascimento, próximo presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), e o procurador-geral da República, Souto Moura. O director do Público disse que Noronha do Nascimento é o expoente do "atavismo" e dos "jogos de influência", que foi tecendo uma "teia de ligações e de promiscuidades" para chegar à liderança do STJ e que dá mais importância ao seu protagonismo público que aos problemas da Justiça. António José Teixeira critica o próximo presidente do Supremo por se apresentar às eleições mais como "um vértice de poder político" do que como "um dos garantes da boa administração da Justiça".
O PGR é criticado no âmbito do processo do "Envelope 9".
"Cães de Guarda"
Classificando estas críticas como "insultuosas", o SMMP sustenta que só no tempo dos "diatribes raivosos" dos jornais de extrema-direita A Rua e A Barricada e de extrema-esquerda houve expressões semelhantes usadas contra magistrados. "Não foi por acaso que alguns destes artigos insultuosos foram escritos neste momento. Eles [directores] têm a intenção precisa de condicionamento, não só dos magistrados, mas também, e principalmente, dos agentes políticos que hão de consubstanciar o Pacto [de Justiça]", acusa a direcção do SMMP.
O sindicato lembra que já num seu ensaio Paul Nizan caracterizava a comunicação social do seu país [França] como "Os novos cães de guarda". E explica: "Conhecendo-se as ligações e dependências económicas, familiares e políticas de directores de jornais e televisões e dos seus principais jornalistas e comentadores (...), não nos podemos espantar com o uniforme e militante sentido ideológico da mensagem veiculada pela maioria desses órgãos de comunicação."
A direcção termina o seu editorial com a citação de um poema de Félix Cucurull: "Não me engraxem os sapatos nem me cortem o cabelo (...) A esmola dava-me volta ao estômago e deixava-me um gosto amargo na boca (...) Porém rejeito o preço que me querem impor estes homens que ladram pela boca dos seus cães."
As reacções
José Manuel Fernandes insurge-se contra as críticas do SMMP e sublinha que se limitou a expressar uma opinião "que não é única". "Critiquei um programa de acção e expressei a minha opinião que não sei se coincide com a do meu patrão", sublinhou ao DN o director do Público, acusando o sindicato de enveredar pelo "insulto sem expor argumentos."
António José Teixeira caracteriza o editorial como uma demonstração de "intolerância" e sustenta que quem o escreveu "vive no temor da grande conspiração internacional" e revela uma "natureza antidemocrática", confundido opinião livre com campanha e diatribes. O director do DN lembra que a Justiça e os que nela intervêm "não estão acima da crítica dos cidadãos". E classifica o editorial de "desvario e deselegância" - "Imaginem que um qualquer jornalista lhes dirigia o tal poema dos homens que ladram pela boca dos seus cães? Quero crer que o autor do editorial apenas se represente, mal, a si próprio..."

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